Automedicação traduz-se na atitude pela qual o utente solicita um medicamento sem a apresentação de receita médica ou apresenta uma queixa da qual resulta a cedência de um medicamento por um profissional de farmácia. O objectivo é tratar ou aliviar queixas auto-valorizadas e de curta duração, sem recurso à consulta médica.
A frequência e distribuição da automedicação estão relacionadas com a organização do sistema de saúde de cada país.
Os médicos e farmacêuticos desempenham um papel fundamental no acompanhamento dos doentes em automedicação.
Estes profissionais de saúde deverão figurar autênticos conselheiros. As suas orientações são cruciais face à comum pressão dos consumidores que pretendem uma maior acessibilidade aos medicamentos, em resposta ao ritmo de vida actual.
Em 1997, foi produzido pelas instituições ligadas aos farmacêuticos, médicos e indústria farmacêutica, a nível Europeu (Common Position State Statement, 2 de Outubro de 1997), um documento que identifica como situações passíveis de automedicação a constipação, gripe, tosse, dor de garganta, rinite alérgica, feridas na cavidade oral, indigestão, obstipação, vómitos, diarreia, hemorróidas, queimaduras solares, verrugas, dores moderadas (cabeça ou muscular) e alguns problemas de pele.
O período para o qual se considera a automedicação como adequada não deve exceder 3-7 dias. Deve ser dedicada especial atenção às grávidas, mulheres que se encontram a amamentar, bebés e crianças.
O presente trabalho visa fornecer pistas para uma reflexão sobre a automedicação no concelho de Tondela, enquanto aspecto caracterizador da população concelhia.
Porque se trata de um tema objectivo de inesgotável reflexão, pois a automedicação é um processo integrante de um sistema complexo, com alguma incidência na sociedade actual, houve necessidade de delimitar o âmbito deste estudo em função de algumas variáveis.
Por fim, e relativamente ao tipo de discurso que foi adoptado, tivemos presente, na medida do possível e sem prejuízo do rigor científico, facilitar a leitura/consulta do mesmo.
Amostra e método
Tendo em conta as variáveis em estudo, o modelo utilizado foi o descritivo.
O número total de entrevistas em análise foi de 296.
O estudo foi realizado pelas 26 freguesias do concelho de Tondela, sabendo que estas foram agrupadas em 6 classes tendo em conta o número total de indivíduos da população presente em cada freguesia, dados estes que foram recolhidos nos últimos censos (2001). Esta divisão permitiu-nos distribuir de forma ponderada os questionários.
Assim, à classe 1 pertencem as freguesias cujo número total de indivíduos é 570 e nestas foram realizados 8 inquéritos.
Na classe 2 inserem-se as freguesias cujo número total de indivíduos pertence ao intervalo [570, 950 [. Nestas foram distribuídos 10 inquéritos.
À classe 3 correspondem as freguesias cujo número total de indivíduos pertence ao intervalo [950, 1600 [, sabendo que nestas foram efectuados 12 inquéritos.
À classe 4 correspondem as freguesias cujo número total de indivíduos pertence ao intervalo [1600, 2100 [, nas quais foram realizados 14 inquéritos.
Na classe 5 incluem-se as freguesias cujo número total de indivíduos se insere no intervalo [2100, 3520 [e nestas foram distribuídos 16 inquéritos.
À classe 6 corresponde a freguesia cujo número total de indivíduos é 3520. Nesta foram realizados 18 inquéritos.
Os inquéritos foram distribuídos equitativamente por indivíduos do sexo masculino e feminino, segundo as seguintes faixas etárias:
<20;
[20, 35 [;
[35, 60 [;
60.
Nas freguesias onde não foi possível distribuir os inquéritos de forma equitativa pelas faixas etárias (referimo-nos às classes 2,3,4,6), privilegiámos aquelas que consideramos predominantes nas respectivas freguesias.
A informação foi recolhida através de um questionário com 10 perguntas, mediante entrevista directa feita pelos elementos do grupo.
O questionário continha variáveis de caracterização sócio-demográfica (sexo, idade, nível de escolaridade e situação perante a profissão), bem como, variáveis relacionadas com o consumo, ou não de medicamentos por automedicação, com o tipo de medicamentos ingeridos por automedicação, com a procura, ou não de esclarecimentos sobre o medicamento consumido, com a toma diária de medicamentos prescritos, e com o conhecimento dos riscos inerentes à automedicação.
Os medicamentos foram agrupados de acordo com a orientação de uma farmacêutica, tendo em conta os seus efeitos terapêuticos, em: anti-piréticos/anti-inflamatórios/analgésicos, preparações estomatológicas, laxantes, analgésicos/anti-pirético, descongestionantes nasais, antitussicos, anti-gripais, rouquidão/dores de garganta.
Resultados
A prevalência global da automedicação encontrada entre os 296 inquiridos foi de 57. 8%.
Gráfico 1: Prevalência da automedicação por sexo
Dos 146 indivíduos do sexo feminino entrevistados, 61.6% responderam que se automedicavam.
Dos 150 indivíduos do sexo masculino auscultados, 54.0% responderam que se automedicavam
Gráfico 2: Prevalência da automedicação por faixa etária
Foram inquiridos 58 indivíduos com idade inferior a vinte anos, dos quais 75.9% declararam automedicar-se.
Na faixa compreendida entre os 20 e 35 anos 69.4 % dos 62 inquiridos afirmaram automedicar-se.
Dos 84 inquiridos com idades entre os 35 e os 60 anos, 56.0% asseguraram automedicar-se.
Foram inquiridos 92 indivíduos com idade superior ou igual a 60 anos, dos quais 40.2% afirmaram automedicar-se.
Gráfico3:Prevalência da automedicação em função das habilitações literárias
Dos 171 indivíduos que afirmaram recorrer à automedicação, 29.3% são analfabetos ou têm apenas o ensino primário, 60,8% possuem o ensino básico ou secundário e 9.9% o ensino superior.
Gráfico 4:Prevalência da automedicação em função da actividade profissional
Dos 171 entrevistados que afirmaram automedicar-se 26.3% são estudantes, 45.0% são trabalhadores e 28.7% estão reformados, desempregados ou são domésticas.
Gráfico 5: Prevalência da automedicação por grupo terapêutico
Tendo em conta a classificação dos medicamentos por grupo terapêutico, verificámos que 25.9% dos inquiridos consome Anti-piréticos/ Anti-inflamatórios/Analgésicos, 4.2 % ingere preparações estomatológicas, 0.7% ingere laxantes, 16.1% consome Analgésicos/ Anti-piréticos, 1.5% utiliza preparações dermatológicas, 2.0% consome Anti-piréticos, 4.0% recorre a descongestionantes nasais, 6.2% ingere antitussicos, 23.4% consome anti-gripais, 16.0% recorre a medicamentos para a rouquidão e dores de garganta.
Gráfico 6: Procura informações ou esclarecimentos sobre o medicamento que vai ingerir?
Dos 171 indivíduos que se automedicam, 75.4% procura informações ou esclarecimentos sobre o medicamento que vai consumir.
Gráfico 7: Onde ou a quem procura informações ou esclarecimentos?
Dos inquiridos que afirmaram procurar informações ou esclarecimentos sobre os medicamentos ingeridos por automedicação, 28.3% recorre ao farmacêutico, 17.4% recorre ao médico, 4.2% procura esclarecimentos junto de outros profissionais de saúde, 10.9% confia nos conselhos de familiares e amigos, 35.4% opta por ler a bula, 3.3% serve-se da internet para obter informações e 0.5% utiliza outros recursos.
Dos 171 indivíduos que se automedicam, 36.8% consome diariamente medicamentos prescritos.
Gráfico 9:Conhece os riscos inerentes à automedicação?
Das 171 pessoas que consomem medicamentos por automedicação, 57.9% conhece os riscos inerentes à automedicação.
Conclusão/ Discussão dos resultados
Este estudo contribuiu para um melhor conhecimento do fenómeno da automedicação no Concelho de Tondela.
A prevalência da automedicação encontrada foi de 57.8%, sabendo que para esta percentagem contribuíram essencialmente indivíduos do sexo feminino.
Esta prática parece não se distribuir igualmente em todos os grupos etários, pois verifica-se uma maior ocorrência em indivíduos com idade inferior a vinte anos.
Analisando o gráfico 2, constatamos que existe uma menor tendência para o consumo de medicamentos sem prescrição médica nas classes mais velhas.
Tal situação deve-se ao facto de com a idade surgirem outros problemas de saúde que obrigam a toma diária de medicamentos prescritos, pelo que os indivíduos têm uma maior dependência de aconselhamento médico. Desta forma prescindem de medicação não sujeita a receita médica.
Tendo em conta os diferentes níveis educacionais, o estudo revelou proporção mais elevada de automedicação nos indivíduos com ensino básico/ secundário.
A par disso, verifica-se uma maior ocorrência em indivíduos que exercem uma actividade profissional.
Podemos inferir que o ritmo de vida actual desta esfera de indivíduos não lhes permite disponibilizar muito tempo em hospitais e centros de saúde, daí o crescendo recurso à farmácia.
Relativamente ao grupo terapêutico, os anti-piréticos/anti-inflamatórios/analgésicos assumem lugar de destaque nas necessidades do doente, seguindo-se dos anti-gripais. Os laxantes aparecem como grupo terapêutico menos consumido.
Apuramos que 75.4% dos inquiridos procura informações ou esclarecimentos sobre o medicamento ingerido.
Esta percentagem é bastante satisfatória, porque apesar da grande procura de medicamentos sem receita médica, há uma preocupação evidente, por parte do consumidor em obter esclarecimento acerca do medicamento que pretende ingerir.
O farmacêutico assume um papel importante como conselheiro porém, é na bula que a grande percentagem dos inquiridos afirma obter informações.
É importante referir que a tendência para consultar amigos/familiares nem sempre é fidedigna dado que os sintomas de mal-estar são sempre individuais e qualquer medicamento deve ter uma utilização personalizada.
Dos 171 indivíduos que se automedicam, 36.8% consome diariamente medicamentos prescritos.
Esta percentagem é significativa e evidencia alguma inconsciência por parte do paciente, dada a possibilidade de interacção entre substâncias activas dos diferentes medicamentos.
O aparecimento de sintomas secundários indesejáveis torna-se, nestes casos, mais frequente.
Da análise do gráfico 9,concluímos que 40.1% dos indivíduos que se automedica não conhece os riscos inerentes à automedicação.
Estes são números preocupantes, dada a importância de saber os riscos que a automedicação acarreta.
O consumo desmedido de medicamentos sem receita médica, será portanto uma consequência desta falta de conhecimento.
A doença é um fenómeno inerente à vida humana, o que justifica o recurso à automedicação desde há muito utilizada.
O consumo de medicamentos sem prescrição médica pressupõe responsabilidade por parte do doente, cujo sentido crítico face à imensidade de informação é imprescindível.